A profissão está enfrentando uma nova ameaça?

Imagem: StockSnap em Pixabay

Em 23 de outubro de 2023, o voo 2059 da Horizon Air, partindo de Everett, Washington, com destino a São Francisco, foi desviado para Portland, Oregon, devido a uma emergência bizarra e alarmante durante o voo. Joseph Emerson, capitão da Alaska Airlines que ocupava o jumpseat, tentou puxar ambas as alavancas de corte de combustível do Embraer 175. A ativação dessas alavancas teria cortado o fornecimento de combustível aos motores, o que poderia ter causado uma séria emergência.

A resposta imediata dos pilotos da Horizon Air ao ato chocante de Emerson evitou uma situação de emergência grave. Eles merecem elogios. Conduzir um checklist de falha de motor duplo na vida real não é tarefa fácil.

Imagem: Nick Dean no Flickr

As circunstâncias restantes da saída de Emerson do cockpit e sua entrada na cabine de passageiros foram confusas. Ele admitiu sua ação terrível e insistiu em ser contido. Enquanto estava preso com algemas flexíveis e sentado em um assento de comissário de bordo na parte traseira, ele tentou abrir a porta de saída de emergência durante a descida. Em algum momento, confessou uma série de problemas que envolviam consumo de cogumelos psicodélicos, privação de sono, luto pela morte de seu padrinho após seis anos e sofrimento de depressão. Caramba.

Devemos nos preocupar com a possibilidade de o evento descrito se tornar uma nova tendência de ameaça entre a profissão de piloto de avião? Não importa o quão absurdo seja esse incidente, devemos descartá-lo simplesmente como uma anomalia, ou temos a responsabilidade para com o público voador de avaliar nossos protocolos de certificação médica? Colocando de lado a política de tiroteios em massa por um momento, não é uma questão de saúde mental muito semelhante quando alguém usa um avião para o mesmo propósito indescritível e horrível?

Imagem: Patrick Schulz no Pixabay

É difícil simplesmente ignorar o assunto considerando outros eventos do passado. Em 24 de março de 2015, o copiloto Andreas Lubitz cometeu suicídio com 144 passageiros e cinco tripulantes ao descer deliberadamente um Airbus A320 da GermanWings para os Alpes franceses. Lubitz sofria de depressão severa diagnosticada a ponto de interromper seu treinamento inicial de voo. Numerosas indicações de sua saúde mental foram um mapa para a tragédia, incluindo medicação para depressão e buscas na internet envolvendo métodos de suicídio.

E não vamos esquecer a sangrenta batalha que se seguiu na cabine de um FedEx DC-10 em 7 de abril de 1994, quando Auburn Calloway tentou assassinar a tripulação de três pilotos com o objetivo de derrubar o avião para receber um seguro de vida de US$ 2,5 milhões para sua família. Como piloto da FedEx, Calloway tinha autorização para ocupar um assento na cabine.

Sabendo que enfrentaria uma audiência no dia seguinte que colocaria seu emprego em risco por ter mentido sobre seu tempo de voo na inscrição para piloto da FedEx, Calloway encheu um estojo de guitarra com vários martelos e um arpão. Os ferimentos dos martelos deveriam imitar traumas causados por impacto contundente resultante da queda planejada do avião.

Felizmente, a tripulação do DC-10 sobreviveu ao ataque hediondo, embora com ferimentos graves. Apesar das fraturas no crânio que causavam paralisia em um lado do corpo, o copiloto executou algumas manobras incomuns que eventualmente ajudaram a subjugar Calloway enquanto seus companheiros de tripulação lutavam contra o agressor fora da cabine. É suficiente dizer que o evento foi uma demonstração incrível de heroísmo.

Mesmo que uma defesa de insanidade legal e a motivação do suicídio tenham sido utilizadas, o tribunal não as reconheceu. Calloway foi considerado culpado de tentativa de homicídio, pirataria aérea e interferência nas operações da tripulação de voo. Dito isso, certamente é preciso questionar a saúde mental quando um piloto planeja assassinar seus colegas e derrubar um avião de 270 toneladas.

Felizmente, em mais de quatro décadas de aviação profissional, nunca percebi que compartilhei a cabine com alguém sofrendo de problemas de saúde mental que atingissem o nível descrito. Mas também não me considero competentemente treinado para reconhecer os sinais.

Imagem: Niklas Jonasson no Unsplash

Alguns anos atrás, um amigo piloto corporativo tentou suicídio. Ele estava passando por uma batalha pela guarda dos filhos e por outros problemas pessoais. Felizmente, amigos sabiam que ele estava tendo um dia particularmente difícil no tribunal, e um deles interveio na cena enquanto o outro prestou assistência médica após encontrá-lo inconsciente dentro de um carro cheio de gases do escapamento. Eles salvaram a vida do meu amigo. Devido à tentativa de suicídio, seu certificado médico foi invalidado, embora tenha sido posteriormente reintegrado. Um pouco mais de um ano após o evento, perguntei ao meu amigo o que o levou a tomar tal decisão. Sua resposta: “Não consigo explicar para você, mas não vi outra solução”.



Mesmo tendo treinado em gerenciamento do estresse de incidentes críticos (CISM) e compreendendo a dinâmica da mitigação do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), a depressão ainda é um mistério para mim. Quantos de nós, pilotos ou não, reagimos com genuíno choque ao ouvir que alguém considerado “a definição de felicidade” tirou a própria vida?

Felizmente, a grande maioria dos pilotos de linha aérea é resiliente aos efeitos do estresse externo à cabine. Somos contratados por nossas companhias aéreas devido a um processo de seleção muito rigoroso. Somos estoicos. Compartimentamos emoções. Nos concentramos na tarefa de pilotar um avião. Mas quantos de nós realmente já pedimos licença médica durante um divórcio, em meio ao resgate de uma criança com problemas ou após o luto por um ente querido? Fomos honestos com nós mesmos e pedimos folga quando sentimos intuitivamente que uma nuvem negra de depressão havia descido sobre nossas vidas?

Não apenas resistimos ao estigma que a depressão implica, mas também tememos que nosso sustento esteja em risco. Como as agências exigem que nos autodenunciamos em nossos requerimentos médicos com a ameaça de ação sobre o certificado por não o fazer, alguns de nós correm o risco e não relatam. Ou pior, alguns de nós ficam sem tratamento, apesar da flexibilização do tratamento aeromédico para formas leves de depressão.

Imagem: charlesdeluvio no Unsplash

A solução? As agências de aviação civil poderiam exigir que os médicos administrassem algum tipo de teste de saúde mental mais detalhado. Porém, se o teste for subjetivo e sem critérios específicos, isso abre mais questões. A educação é provavelmente a melhor solução. Eduque os pilotos sobre as implicações médicas de relatar depressão. Eduque os pilotos para reconhecer sinais de depressão em seus colegas. Muitos sindicatos de pilotos possuem programas ativos de saúde mental entre pares, endossados pelas companhias aéreas.

Estou certo de que a ameaça representada por casos como o de Joseph Emerson não é uma epidemia entre os pilotos de linha aérea. Certamente, o mundo se tornou um lugar caótico. Nosso consumo de informação é muito além do que estava disponível no passado. As mídias sociais e tradicionais nos fornecem cobertura incessante de eventos deprimentes. Combine isso com os inevitáveis desafios pessoais da vida, e o estado de nossa saúde mental pode ser afetado.

Dito tudo isso, estou confiante o suficiente para sentar na parte de trás do avião enquanto meus colegas cuidam do transporte seguro dos passageiros do ponto A ao ponto B.

Este texto é uma tradução do artigo “Airline Pilots Must Not Dismiss Mental Well-Being” escrito por Les Abend na coluna “Jumpseat” do site Flying Magazine. O artigo foi traduzido e adaptado por Matheus Schmidt.


Nota do Editor: no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) é uma instituição que oferece serviços de apoio emocional e prevenção do suicídio a pessoas que precisam conversar, funciona sob total sigilo e anonimato.

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