A ferramenta mais importante contra o estol, mas pouco lembrada durante o voo.

Imagem de bilalel no site Pixabay

As estatísticas nos mostram que a maioria dos acidentes aéreos ocorrem durante as fases de decolagem e aproximação para o pouso. Coincidentemente, é nessas fases do voo em que o avião se encontra mais próximo dos limites inferiores de velocidade e máximos de ângulo de ataque. A relação entre esses dois, infelizmente, não é corretamente interpretada pela maioria.

Fluxo de ar descolando do extradorso devido ao alto AoA. Imagem de Wikipedia

Não é novidade que quanto menor a velocidade, menor a sustentação gerada pela asa. Para cada voo onde usamos a velocidade para atingir uma performance desejada, existe um AoA (ângulo de ataque) específico. Esse AoA nunca muda, mas a velocidade para alcançá-la muda o tempo todo. Rotineiramente usamos apenas as velocidades – comumente as do manual do avião, ou as previamente calculadas – para configurar o avião em cada fase do voo.

Imagine que você está num voo de treinamento de manobras em velocidade baixa e a velocidade de estol com a aeronave limpa (com flap e trem de pouso recolhidos) é de 50kts. Você está agora nos 60kts praticando as curvas e quando você aplica um bank mais elevado você ouve a buzina de estol, mesmo 10kts acima da velocidade de estol. Por quê?

O problema é o seguinte: usar só os números do POH (Pilots Operational Handbook) te limita a saber o que o avião consegue fazer em condições de 1G, o que seria por exemplo um estol iniciado em voo nivelado. Quando em curvas, tanto você quanto seu avião estão sob mais de 1G, portanto pesando mais do que realmente pesam. Aviões fazem curvas se inclinando para o lado de dentro da mesma, usando a sustentação das asas para mudar sua trajetória como se estivessem ‘subindo para o lado’ e isso altera diretamente o seu peso por causa do fator de carga que aumenta devido à mudança na trajetória da aeronave. Quanto mais intensa a manobra, maior o fator de carga.

Fator de carga em curva. Imagem do site ICAO

O fator de carga não é efeito exclusivo dos aviões de caça ou acrobáticos. Estes estão sujeitos a forças que variam de 6G a 9G. Nós que voamos aviões certificados estamos limitados a um fator de carga de aproximadamente 3.8G para operações normais. Se a 1G o seu avião, por exemplo, pesa 1.000kgs, ao realizar curva capaz de atingir 3,8G o peso vai para os 3.800kgs. Se o peso de seu avião sobe, logo a sua velocidade de estol também sobe enquanto aquela atitude se manter.

Então como eu sei qual é a velocidade correta de estol antes mesmo de eu entrar numa manobra? Usando o exemplo de 50kts, já sabemos qual a velocidade de estol a 1G com a aeronave limpa (Vs1). Se o fator de carga limite é de 3,8G, já sabemos por onde começar. A raiz quadrada de 3,8 é 1,95. Multiplique isso pela sua velocidade Vs1, 50kts, e sua velocidade correta de estol será 98kts. A conta foi feita usando o fator de carga limite, então se o fator de carga for menor a velocidade também será menor. Mesmo que você esteja em velocidade de cruzeiro, ou até mesmo acima, você pode ‘estolar’ o avião simplesmente por ultrapassar o AoA limite em uma curva de inclinação alta.

Exemplo de sensor de AoA

Esse cálculo não seria necessário se tivéssemos um sensor de ângulo de ataque a bordo da aeronave. Se fosse esse o caso, somado a uma perda do velocímetro no painel, você poderia prosseguir sem quaisquer problemas para um pouso seguro evitando um estol inadvertido somente usando o sensor de AoA. Quem sabe um dia ele se torna um instrumento padrão nas aeronaves.

Tenha em mente que o estol não é um evento exclusivo de baixas velocidades, mas sim de um alto ângulo de ataque. Quanto menor a velocidade, mais AoA é necessário pra manter a sustentação e trajetória desejadas. Até o ponto em que se atinge o AoA limite onde o fluxo de ar se descola do extradorso da asa e sua aeronave estola. Por isso a primeira ação em caso de estol é picar a aeronave para diminuir o AoA e recuperar a sustentação das asas.

Imagem de Rod Machado

Em alta velocidade o estol também pode ocorrer, caso o avião seja capaz de fazer manobras mais extremas e faça uma mudança de trajetória vertical muito abrupta – geralmente a ação de puxar o manche até o limite para subir o nariz do avião rapidamente – causando o descolamento do fluxo de ar do extradorso.

Não é incomum pensarmos na ação de estender os flaps para evitar um estol. Fazer isso pode piorar ainda mais o cenário, já que os flaps limitam ainda mais o ângulo de ataque e aumentam o arrasto, degradando a tração gerada pelo motor para que o avião volte a ganhar velocidade. Em baixas altitudes o cenário é muito limitado, mas continuar puxando o manche não melhora a situação. Se for esse o caso, considere o local e alivie a pressão no manche de acordo para que o avião volte a ganhar sustentação, se assim for possível.

Velocidade e ângulo de ataque estão sempre sob influência um do outro. Em aviões mais sofisticados o computador te entrega pronto qual velocidade e atitudes manter para um voo estável. Já nos aviões mais simples é fundamental conhecer os limites e o comportamento deles em cada fase do voo. A melhor maneira de estar à frente de sua aeronave é entender que o ângulo de ataque é a causa principal do estol e que você pode sair de um simplesmente aliviando a força no manche para que o AoA diminua e seja possível recuperar o voo. Portanto, antes de realizar manobras, entrar na fase de aproximação ou penetrar ar turbulento, sempre consulte as velocidades para cada situação de voo no POH de sua aeronave e sempre calcule a velocidade de estol considerando os fatores de carga impostos no manual da aeronave.

Você já viveu uma situação de estol inesperado? Conte para nós nos comentários como foi e qual técnica utilizou para sair dessa situação.


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Higor Rodrigues

Higor é piloto privado ainda em treinamento e técnico em manutenção de computadores. É amante do automobilismo e desde a infância aspirante a piloto. Sempre estudando os três temas, agora contribui neste site com o que está sempre aprendendo.

1 comentário

Casarini · 14 de maio de 2024 às 16:56

Excelente abordagem do Ângulo de ataque vs. Velocidade!

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