Este texto é uma contribuição do nosso membro Daniel Siquinelli

A busca da padronização faz parte da melhoria contínua dos profissionais da aviação. Mas afinal, o que é ser um piloto padrão?

Com o decorrer dos anos a aviação sofreu muitas mudanças tecnológicas, operacionais e culturais e com isso foi necessário estabelecer procedimentos operacionais específicos para o novo modelo de aviação que estava surgindo. A padronização surge essencialmente com o objetivo de aumentar os níveis de segurança operacional.

Segundo o Painel SIPAER, que apresenta incidentes e acidentes ocorridos no Brasil nos últimos 10 anos, os erros de julgamento e de pilotagem estão entre os três principais fatores contribuintes. A padronização de procedimentos e a criação de rotinas operacionais a serem seguidas por tripulantes podem melhorar o CRM, aumentar a consciência situacional e a assertividade na comunicação. A padronização reduz erros de julgamento e pilotagem, além de melhorar os processos de tomada de decisão.

No mercado de trabalho da aviação existem vários segmentos de voo, como por exemplo a aviação particular (RBAC 91), táxi aéreo (RBAC 135), agrícola (RBAC 137), instrução de voo (RBAC 141), linha aérea (RBAC 121), entre outras. Para cada segmento é exigido do piloto um tipo específico de operação, logo espera-se que haja uma padronização dos pilotos que voam naquele segmento em questão. A princípio o foco do Piloto Completo é englobar as operações na aviação particular, táxi aéreo e linha aérea.

Os Procedimentos Operacionais Padrão (Standard Operating Procedures, SOP) são estabelecidos inicialmente pelos fabricantes e posteriormente podem ser ajustados pelos operadores conforme sua operação, no caso do SOP escrito por empresas aéreas (121 ou 135) o documento segue as orientações da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) estabelecidas na Instrução Suplementar (IS) 119-003 e no Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) número 119.

No decorrer da carreira de um tripulante ele(a) terá a chance de voar com muitos colegas. Muito provavelmente, ao ter experiência de voo como copiloto em uma aeronave particular (aviação geral ou executiva), irá perceber que a padronização está diretamente ligada ao que o comandante daquela aeronave acredita ser melhor, onde provavelmente irá escutar frases como: “faz assim que é o padrão”.

Qual é a referência que torna aquela rotina operacional uma verdade absoluta? O SOP do fabricante ou a experiência de voo do comandante? Esse dilema faz parte da arte de ser copiloto, por isso o copiloto ideal é capaz de agir com assertividade, CRM e proatividade. É preciso saber discutir de forma produtiva e estabelecer uma rotina operacional, um processo que certamente poderá envolver a criação ou mudança de hábitos operacionais e definição de novos procedimentos visando a segurança operacional.

Já os tripulantes da aviação de linha aérea ou taxi aéreo são guiados por um SOP elaborado pela própria companhia. Ao assinar um contrato de trabalho, estão concordando em seguir toda a rotina operacional definida pelo SOP da empresa. Nestes tipos de operação o Copiloto consegue ter um guia operacional, uma prévia das ações e de como exercer a sua função dentro da cabine. Ele saberá explicitamente por exemplo quais são os callouts durante o voo; quais são os flight patterns e configuração pra decolagem ou pouso; como é a rotina operacional para as ações dos itens de memória (memory items).

O copiloto ideal entende, executa e também complementa a rotina operacional estabelecida no SOP com as Soft Skills que possui. Usando por exemplo a assertividade e a proatividade, que são duas importantes características que tornam o SOP das empresas efetivo. Os procedimentos operacionais padrão são os guias para os níveis de assertividade na comunicação entre os tripulantes, já que qualquer desvio de procedimento obriga o pilot monitoring a informar ao pilot flying que faça a correção necessária, sendo ainda responsável por assumir os controles caso não seja respondido. Da mesma forma, a proatividade pode agilizar e antecipar a execução dos procedimentos do voo, ocasionando uma redução na carga de trabalho da tripulação e agilidade no voo.

Exemplo de assertividade: é previsto pela instrução suplementar da ANAC que a empresa aérea defina ações de voo para a função de Pilot Flying (PF) e para Pilot Monitoring (PM) em todas as fases de voo, principalmente parâmetros para uma aproximação estabilizada e callouts para a correção de velocidade e altitude durante uma aproximação, portanto um copiloto ideal estando ciente de todos esses limites deve informar claramente ao comandante, apoiando a manutenção dos padrões operacionais na empresa.

Exemplo de proatividade: buscar em cada SOP ações que podem ser antecipadas, seja ainda com a aeronave em solo ou em voo, pequenos detalhes como anotar o ATIS em um papel para o colega calcular a performance, separar a documentação do voo que deve ser assinada pelo comandante, seguir praticamente a sugestão descrita no modulo anterior.

A dinâmica da aviação engloba muitas variáveis, o que faz ser impossível definir padrões para todos os tipos de cenário. Em determinadas situações não previstas pelo fabricante, procedimentos operacionais ou por um julgamento de segurança da tripulação pode ser necessário sair do “by the book” e confiar no Airmanship dos tripulantes. Dependendo do cenário e do resultado, procedimentos podem ser mudados ou criados em função dessas situações. Portanto, o copiloto ideal entende que ao depender da situação será necessário abandonar o que esta escrito para manter o nível de segurança aceitável.

Não importa qual o nicho aeronáutico em que você atue tenha em mente que o padrão operacional do voo é escrito pelo fabricante e ajustado à operação pela a empresa aérea. Saiba o papel de cada um na cabine e use o SOP ao seu favor, ele sempre será seu guia para manter a segurança do voo.

Fonte: Painel SIPAER (07/01/2024)

Conforme o gráfico do Painel SIPAER e considerando os Fatores Contribuintes apenas das ocorrências da aviação privada (RBAC 91), vemos que os fatores que mais possuem ocorrências estão relacionados à padronização e hábitos do piloto. Ao analisar o item “Julgamento de pilotagem” entende-se que o piloto teve uma inadequada avaliação dos parâmetros e/ou da situação da aeronave, mesmo sendo qualificado para voar aquele equipamento. Da mesma forma, o fator “Processo decisório” demonstra a dificuldade dos pilotos em perceber, avaliar e escolher alternativas que não levassem a uma ocorrência adequadamente sob situações adversas.

Ao comparar os valores de acidentes e incidentes entre os diferentes segmentos de aviação, é possível perceber a diferença na quantidade de acidentes entre as operações segundo os RBAC 91, 135 e 121. Ou seja, a obrigatoriedade de manuais operacionais como o SOP tem como consequência um tripulante padronizado e isso cria barreiras que evitam fatores contribuintes listados pelo CENIPA, a exemplo dos dois considerados acima, resultando em um acidente ou incidente grave.

A grande dificuldade para o tripulante é como conseguir essa padronização sem ter experiência de voo e qual material utilizar como referência para aprender, já que a padronização está sempre em constante mudança. Ainda assim é fundamental lembrar que o ponto de partida de qualquer padronização são os manuais do fabricante da aeronave e a regulamentação vigente, por terem sido criados sob exaustivos testes e uma infinidade de situações que nem sempre uma tripulação sozinha poderia prever para problemas. Como forma de complementar seus conhecimentos para customizar a padronização à sua realidade operacional, o piloto pode comparar sua operação com as operações de colegas e outras empresas avaliando se não aumentará riscos no ganho de eficiência, caso a caso, para a operação de sua aeronave.

Por fim, no início da carreira o piloto também pode utilizar outros recursos para seu treinamento e exercício de padronizações de voo como forma de ganhar fluência e proficiência, sendo através de cursos como o Jet Training, vídeos na internet mostrando operações de voo bem padronizadas e também com o uso de simuladores de voo em computador pessoal como o Microsoft Flight Simulador e o X-Plane.


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1 comentário

Torrente · 30 de janeiro de 2024 às 00:42

Muito bom Daniel
Breve e claro! 👏🏻👏🏻👏🏻

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