Você está voando seu avião e realiza uma aproximação visual para uma pista mais curta que o habitual. Conforme avaliou em seu planejamento inicial para o voo você sabe que a pista está dentro dos limites previstos no manual de operação da aeronave e mantém sua rampa e velocidade compatíveis com uma aproximação estabilizada.
No arredondamento você percebe uma leve flutuação da aeronave e acaba conseguindo tocar o solo mais à frente na pista do que gostaria. Para compensar essa variação você decide aplicar mais pressão aos freios para reduzir a velocidade o quanto antes, deixando para aliviar a frenagem conforme tiver confiança de que não precisará da pista toda para parar. Nesse instante você sente uma vibração seca de um dos lados do avião, percebendo que talvez tenha travado uma das rodas com a frenagem mais forte. Seu avião tem trem de pouso retrátil do tipo triciclo.
Enquanto você mantém o controle direcional e alivia a pressão nos freios um pouco, percebe que terá distância suficiente de pista à frente conforme previsto e sua operação não corre perigo. Depois de realizar os procedimentos após o pouso você pensa enquanto faz o táxi se teria gerado algum desgaste aos pneus e segue ansioso(a) até o pátio de aviação geral para estacionamento.
Depois de sair da aeronave você realiza o cheque de abandono enquanto pensa que poderia ter freado menos durante o pouso. Depois de terminar tudo e realizar seu checklist você decide fazer uma inspeção aos pneus do trem de pouso principal. Ao se abaixar você logo enxerga uma marca chapada na borracha que pega toda a superfície de rodagem do pneu comprometendo seus sulcos de fora a fora. Logo vem à sua cabeça as falas de um amigo que viveu a mesma situação e a oficina dele “condenou” o pneu nessas condições.
Apesar da chateação, você sabe que tem alguns voos nos próximos dias para diversas pistas com condições parecidas, todas asfaltadas e mais curtas que o habitual. Os dias quentes também preocupam você pelo calor do asfalto e o desgaste aos pneus. Sabendo que há uma oficina no aeroporto você decide ir até lá pedir uma avaliação de um técnico de manutenção aeronáutica e uma cotação para substituição do pneu.
A avaliação do profissional é compatível com o que você esperava e o gerente comercial da oficina informa a você que tem apenas uma marca de pneu disponível em estoque, a qual não é a mesma que seu avião estava utilizando.
O vendedor da oficina e o técnico de manutenção fazem uma sugestão usando um argumento técnico, “seria bom trocar os dois, o outro pneu está com algumas marcas de cortes e ter pneus diferentes pode fazer o avião puxar para os lados em diferentes situações, gerando desgaste a outras peças”. Você entende que a oficina está querendo vender pneu.
Independentemente da marca disponível em questão, você agora precisa decidir entre três situações possíveis:
- Substituir os dois pneus do trem de pouso principal;
- Substituir o pneu que foi queimado no pouso;
- Seguir com seu próximo voo, afinal só gastou um lado do pneu.
É rápido para qualquer piloto com experiência no dia a dia pensar que a reflexão desse texto é uma questão de buscar equilíbrio entre a solução ideal e a solução economicamente viável. Não é bem por aí, mas vamos fazer então um processo de eliminação?
A opção 3 não é “correta” porque o piloto sabe dos riscos que estará correndo com um pneu já desgastado além do que é o recomendado pelo fabricante, sem falar nos pulinhos que o avião vai dar na próxima corrida de decolagem com parte do pneu tendo se transformado em uma superfície chapada.
A opção 1 é muito cara para ser a solução da situação relatada nesse texto, o que torna a opção 2 a “única opção aparentemente correta”.
Seria bem assim, não fossem as inúmeras vezes que estive em oficina e vi do lado do pneu “perfeito” sair uma câmara que estava mastigada, uma situação no pneu muito pior do que tinha sido vista antes de remover o conjunto de rodas ou outros problemas de instalação e operação.
Por outro lado, é fato que se tudo estiver como deve, utilizando mesmos PN’s (part numbers), especificações iguais, mesmas lonas, calibragem e balanceamento, sendo diferentes apenas a marca dos pneus, a percepção das diferenças de aderência e rolagem deve ser mínima.
Portanto, o grande objetivo desse texto é chamar a sua atenção para o fato de que, embora você possa “se acostumar” com essa puxada, quantas outras questões operacionais você já está levando em consideração e acumulando carga de trabalho mental em sua operação em função delas? E quando você sentir uma puxada, vai ter certeza se é por isso ou se teve outro problema?
Manter um avião aeronavegável vai muito além dos mínimos que a regulamentação e os manuais dos fabricantes determinam. Para que o avião esteja aeronavegável o piloto deve decolar com a confiança plena de que a máquina está fazendo tudo exatamente como deve.
A aviação tem seu preço, enquanto muita gente tenta manter o mínimo viável, esquece que está voando lado a lado com o inviável.
Marcos Pereira
Falando só sobre pneu, não é preferível que a única coisa que representa o contato do seu avião com o solo nos pousos e decolagens não vai estourar, ceder ou puxar a aeronave de forma inesperada? A menos que você esteja com os dois pneus novos ou tenha absoluta certeza de que a diferença de aderência será mínima em suas operações, troque os dois pneus logo. Possivelmente você vai se agradecer de ter feito isso assim que a oficina desmontar a roda.
Embora eu tenha compartilhado essa foto acima dos pneus Michelin usados no Space Shuttle, não se preocupe, esse texto não é patrocinado por fabricantes de pneus. E aliás, me conta nos comentários se você tem preferência por alguma marca de pneus aeronáuticos!
Bons voos!
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2 comentários
Piloto Completo · 13 de novembro de 2023 às 20:40
Oi pessoal! Só pra lembrar que se a marca for diferente entre os pneus do trem de pouso principal e o trem de pouso do nariz, não tem problema ok?
Siquinelli · 16 de novembro de 2023 às 10:00
A manutenção dos pneus é de extrema importância e por vezes não se segue as recomendações dos fabricantes de pneu. Lembrando sempre que na tentativa de reduzir custos e o pneu é uma delas, as vezes oficinas recomendam a troca do pneu somente mantendo a câmara antiga, o que não é recomendado pelos fabricantes.
Sendo que esse tipo de redação de custo e a prova de que “a segurança termina aonde começa o lucro”