Nas rodas de bate-papo entre amigos pilotos vejo que o assunto ATC costuma empolgar as conversas. Nesses diálogos percebo que um tópico causa certa confusão quando surge: a diferença entre vigilância e vetoração.
Às vezes alguém comenta sobre o voo nos EUA e diz algo como “lá a gente voa sempre vetorado” referindo-se ao serviço de flight following, por exemplo. Bom, não é bem isso…
No texto de hoje quero esclarecer um pouco mais as diferenças entre esses dois termos e tentar contribuir para aumentar um pouco seu conhecimento sobre o tema diante das nossas regras brasileiras.
Antes de mais nada, é importante entender um “recorte” importante desse assunto. Quando falamos em vigilância ou vetoração, estamos sempre nos referindo a situações que envolvem um órgão de controle de tráfego aéreo que trabalha baseado na utilização de radar. Ou seja:
- Você não vai ouvir uma rádio de aeródromo (AFIS) falando em vetoração ou vigilância;
- Tampouco você precisa se preocupar com isso em uma terminal na qual o controle (APP) opere em modo convencional, a exemplo da TMA Londrina/SBXO;
- Se estamos falando de um serviço de vigilância ATS, logo também estamos tratando de espaços aéreos das classificações A, B*, C, D e até E, onde é possível a prestação de serviço de controle (o uso do radar é mais frequente entre A, B e C, menos frequente em D envolvendo normalmente CTR’s e raro em espaços E)
*No Brasil não temos espaços aéreos com classificação Bravo.
A vigilância (serviço de vigilância ATS) se inicia quando uma aeronave é identificada em uma tela radar dentro da área em que órgão ATC presta esse serviço. Para que isso aconteça, podem ser adotados diversos métodos, como o uso de código transponder, recepção de dados ADS-B, ADS-C, ou até mesmo um radar primário (somente o “pontinho” na tela) instruindo a aeronave a fazer curvas. Essas técnicas podem ser usadas de forma isolada ou combinada, suas definições e várias outras informações importantes são apresentadas na ICA 100-37 – Serviços de Tráfego Aéreo.
Em resumo: vigilância trata-se de quando o controlador identifica a aeronave em sua tela e começa a prestar um serviço de controle de tráfego aéreo. Do ponto de vista do piloto, isso normalmente ocorre quando você ouve “contato radar estabelecido”. Neste processo, é comum que sejam concedidas autorizações para procedimentos ou quaisquer movimentos laterais e verticais em um espaço aéreo conforme previstos em plano de voo, ou solicitados pelo piloto.
Já a vetoração é uma técnica de controle de tráfego que é definida pelo DECEA como sendo a “provisão de orientação para navegação às aeronaves na forma de proas específicas baseadas no uso de um Sistema de Vigilância ATS”.
Ou seja, vetoração só pode ser prestada a aeronaves que estejam sob vigilância. Ela se inicia quando o controlador lhe informar disto, e a fraseologia normalmente utilizada é “início da vetoração (…)” seguida da justificativa para tal e as primeiras instruções de proa/altitude. Deste ponto em diante, o controlador se torna responsável por sua navegação, orientando você em um procedimento ou em uma direção.
A vetoração é encerrada quando o controlador dá uma instrução do que você precisará fazer a seguir, e informa: “reassuma navegação”.
Há diversas razões para que o controlador utilize a técnica de vetoração, dentre elas:
- Estabelecer separações adequadas (entre aeronaves ou até com o terreno);
- Orientar aeronaves na execução de procedimentos especiais;
- Proporcionar vantagens operacionais (ex.: agilizar sua chegada ou saída na terminal);
- Desviar aeronaves de formações meteorológicas;
- Corrigir desvios de plano de voo; ou
- Atender a uma solicitação do piloto, quando for possível.
Observe que o piloto tem o direito de solicitar a vetoração e o serviço será prestado se for possível, mas não abuse deste recurso. É sua obrigação como piloto em comando conhecer os procedimentos previstos para a região onde está voando.
Se você se desorientar ou tiver um problema a bordo, pedir o auxílio do controlador é fundamental e pode ser a melhor saída para aliviar sua carga de trabalho em uma situação de estresse.
Entenda que do ponto de vista de segurança de voo, realizar uma vetoração também aumenta a carga de trabalho do controlador. Isso às vezes é necessário com mais que uma aeronave ao mesmo tempo. É como se você estivesse dando comandos no piloto automático de um Airbus A330 e em outros dois Boeing 737 simultaneamente para ingressar todos no sequenciamento de uma final ILS, por exemplo.
A teoria, é que se a boa vigilância for mantida e todos, pilotos e controladores, trabalharem em conjunto, a vetoração nunca precisaria ser usada. Se todos tiverem consciência situacional dos tráfegos em voo nas proximidades e de suas próprias restrições e procedimentos, o sequenciamento acaba acontecendo com fluidez e agilidade.
Se você quer, como piloto, otimizar o tempo de seus voos e evitar vetorações para sequenciamento, separação ou qualquer procedimento que alongue seus voos, ouça bem o controlador e tente entender o que está acontecendo no espaço aéreo, mantendo-se você mesmo vigilante.
Se você nunca teve chance de conhecer presencialmente o Controle São Paulo, assista ao vídeo a seguir.
Bons voos!
3 comentários
Jean Carlos Trindade Felix · 22 de setembro de 2020 às 16:47
Ótima matéria
j.olyntho · 18 de agosto de 2023 às 19:57
Quando você está voando em espaço controlado por órgão ATC, temos, em resumo, as seguintes situações:
– Vigilância Radar – você enviou um plano de voo que foi aprovado pelo ATC. Durante o voo você será monitorado se está cumprindo o planejado no PV aprovado e se está garantida sua separação com as demais aeronaves.
– Vetoracão Radar: o ATC assume a navegação da sua aeronave fornecendo as proas e altitudes a serem voadas
Jean Carlos Trindade Felix · 22 de setembro de 2020 às 16:50
Um dia poder fazer um vôo panorâmico no Rio de Janeiro